O projeto UmaFoca nasceu como contrapartida de uma bolsa de intercâmbio acadêmico internacional pelo programa Escala Estudantil da Asociación de Universidades Grupo Montevideo, AUGM, financiada pelo Santander Universidades no primeiro semestre de 2009 na Universidad de Santiago de Chile, em Santiago, capital do Chile.
Seu objetivo foi cumprido naquele ano, com posts sobre a preparação, os trâmites de ida e depois sobre a vida de intercambista, passando pelos assuntos mais variados e sempre tentando mostrar diferenças e igualdades culturais entre Brasil e Chile, economia, política, sociedade, manifestações sociais, meio ambiente, comportamento, dicas de viagem, turismo e eventos, o cenário multicultural e acadêmico. Enfim, todo tipo de assunto sob o ponto de vista de uma foca, uma jovem aprendiz jornalista.
Na volta, mantive o blog, pois ainda havia tanta história pra contar que eu não podia encerrar o projeto sem mostrar o que acontece depois do intercâmbio, a readaptação à rotina, novos desafios e o quanto a experiência muda as nossas vidas.
Hoje tenho uma sensação de dever cumprido. O blog teve uma vida feliz e vai ficar na rede para ser útil a quem precise dessas informações. Me despeço deste projeto para me dedicar a outros novos e com a certeza de que UmaFoca e essa foca aqui, jamais deixarão de ser focas, de se interessar pelo mundo com aquele olhar curioso de quem valoriza a primeira vez de tudo e vive as experiências ao máximo.
Aos leitores que nos acompanharam nessa aventura errante e aprendante: Obrigada! Gracias!
E com a certeza de viver com a sabedoria de nossos padrinhos, Pablo Neruda e Amyr Klink, deixamos nossa timeline com suas palavras, que nos guiaram durante esse tempo de blogagens.
"Se trata de que tanto he vivido que quiero vivir otro tanto".
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias,
imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para
entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e
dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto.
Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um
homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa
arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente
como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não
vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".
Uma Foca pelo mundo
As aventuras de Uma Foca em intercâmbio acadêmico no Chile. Vida errante e aprendante pelo mundo.
domingo, 21 de setembro de 2014
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Ser a mudança que queremos no mundo
Mahatma Gandhi era um homem com ideias, defeitos e limitações, mas provou que não é necessária uma revolução armada para construir uma mudança. O importante para ele sempre foi ser. Ser e agir como pensamos. Ser a mudança que queremos para o mundo.
Sobre ser, vou contar algo que tenho presenciado há 10 anos. As pessoas têm variadas visões sobre o vegetarianismo. Para mim, vegetarianismo não é só uma escolha gastronômica, é um movimento. É um ato ativista ambientalista, político-social que vai além da mera decisão de deixar de comer carne e derivados. É uma escolha pessoal. É optar pela não-agressão a animais, à terra, aos ecossistemas, ao ser humano. É escolher conscientemente dentre as variadas opções de consumo, aquela que é a mais justa, a mais solidária, aquela que provoque o menor sofrimento possível a toda a forma de vida existente.
Hoje é muito fácil ser vegetariano. A agricultura agroecológica veio prá ficar, é possível visitar os sítios desses agricultores. Eles produzem todo tipo de alimento, até galinha, boi, vaca, com o menor sofrimento.
Daí você tira que um ovolactovegetariano que compra tudo o que consome no mercado, sem se preocupar com a forma que o alimento foi produzido ou transportado, não é mais vegetariano que aquele que come ovos de galinha, Daquela caipira, criada solta, que bota ovo quando quer e não presa numa gaiola iluminada 24 horas por dia, a um nível de estresse desumano.
Não é mais vegetariano aquele que toma leite de soja de uma grande empresa como a Bunge que contamina as produções dos pequenos agricultores com pólen transgênico, que forçou a liberação política dos transgênicos não porque acredita que a transgenia possa realmente diminuir o uso de insumos agrotóxicos, mas porque é mais lucrativa.
Esse vegetariano que toma leite de soja não é mais vegetariano que aquele que toma leite da vaca criada no pasto, tratada com carinho, com respeito e cuidado. Ordenhada com o mínimo de dor, respeitando sua produção natural.
O vegetariano que corre para a seção de orgânicos do mercado e paga seis reais numa alface embalada, a meu ver não é mais vegetariano que aquele que sabe o horário da feira agroecológica, conhece o nome dos produtores e compra a alface deles por um real.
(Só um adendo: agricultura orgânica é o primeiro passo para a cultura sem agrotóxico. A cultura realmente certificada sem agrotóxico é a agroecológica.)
O vegetariano não precisa se chamar de vegano, porque não precisa de rótulos, apenas de ação. O veganismo é um movimento impossível para os dias de hoje, a menos que você aceite viver isolado, sem transporte, sem facilidades industriais, plantando a própria comida, tecendo a própria roupa e construindo as próprias ferramentas, a própria morada, sem nada além das próprias mãos. Deve ser uma vida boa, apesar de dura, mas temo que para mim não sirva para a vida toda. Sou bicho do mato, preciso me forçar a conviver com os humanos, para viver com eles, para me humanizar.
Também seria difícil para mim colocar os animais num cercado com a alegação veganista de que nenhum deles deve trabalhar. Nós animais humanos trabalhamos, porque nos privar do convívio e da ajuda dos animais? Para quê tanto orgulho e radicalismo? Acredito que a evolução do pensamento nesse sentido deva ir para o convívio respeitoso com os animais, não seu isolamento de nossa sociedade.
Por fim, acredito na vida natural tal como Thoureau vivia. Ele se isolava numa cabana à beira do rio por meses, com um punhado de grãos e vivendo da caça. Quando é para a sobrevivência, a caça, a pesca artesanal é justa. É a luta pela vida, tão naturalmente aceita pelos animais no mar e nas florestas. Não devemos perverter o natural, mas não devemos nos resumir a sacralizá-lo, devemos apenas saber conviver respeitosamente com o natural, a natureza.
Cada um de nós somos a nossa própria consciência e provocamos a mudança, seja de ações, seja de pensamentos, que queremos no mundo. Não precisamos apregoar nossas ideias como se fossem leis, bater de casa em casa desrespeitando o pensamento alheio, gritando nos ouvidos de quem não quer ouvir. Em 10 anos de vegetarianismo, aprendi que as mudanças mais sólidas e duradouras são lentas e silenciosas. Vi pessoas se transformarem porque eu me transformei, sem que eu dissesse uma palavra pra promover o vegetarianismo.
Enfim, entendo perfeitamente que sim, é possível ser a mudança que desejamos para o mundo, sem ambições, sem megalomania, sem pregação de casa em casa, discursos acalorados, paranoia, hashtags, campanhas publicitárias apelativas cheias de celebridades ou mídias sociais.
É simples, simplesmente ser.
Sobre ser, vou contar algo que tenho presenciado há 10 anos. As pessoas têm variadas visões sobre o vegetarianismo. Para mim, vegetarianismo não é só uma escolha gastronômica, é um movimento. É um ato ativista ambientalista, político-social que vai além da mera decisão de deixar de comer carne e derivados. É uma escolha pessoal. É optar pela não-agressão a animais, à terra, aos ecossistemas, ao ser humano. É escolher conscientemente dentre as variadas opções de consumo, aquela que é a mais justa, a mais solidária, aquela que provoque o menor sofrimento possível a toda a forma de vida existente.
Hoje é muito fácil ser vegetariano. A agricultura agroecológica veio prá ficar, é possível visitar os sítios desses agricultores. Eles produzem todo tipo de alimento, até galinha, boi, vaca, com o menor sofrimento.
Daí você tira que um ovolactovegetariano que compra tudo o que consome no mercado, sem se preocupar com a forma que o alimento foi produzido ou transportado, não é mais vegetariano que aquele que come ovos de galinha, Daquela caipira, criada solta, que bota ovo quando quer e não presa numa gaiola iluminada 24 horas por dia, a um nível de estresse desumano.
Não é mais vegetariano aquele que toma leite de soja de uma grande empresa como a Bunge que contamina as produções dos pequenos agricultores com pólen transgênico, que forçou a liberação política dos transgênicos não porque acredita que a transgenia possa realmente diminuir o uso de insumos agrotóxicos, mas porque é mais lucrativa.
Esse vegetariano que toma leite de soja não é mais vegetariano que aquele que toma leite da vaca criada no pasto, tratada com carinho, com respeito e cuidado. Ordenhada com o mínimo de dor, respeitando sua produção natural.
O vegetariano que corre para a seção de orgânicos do mercado e paga seis reais numa alface embalada, a meu ver não é mais vegetariano que aquele que sabe o horário da feira agroecológica, conhece o nome dos produtores e compra a alface deles por um real.
(Só um adendo: agricultura orgânica é o primeiro passo para a cultura sem agrotóxico. A cultura realmente certificada sem agrotóxico é a agroecológica.)
O vegetariano não precisa se chamar de vegano, porque não precisa de rótulos, apenas de ação. O veganismo é um movimento impossível para os dias de hoje, a menos que você aceite viver isolado, sem transporte, sem facilidades industriais, plantando a própria comida, tecendo a própria roupa e construindo as próprias ferramentas, a própria morada, sem nada além das próprias mãos. Deve ser uma vida boa, apesar de dura, mas temo que para mim não sirva para a vida toda. Sou bicho do mato, preciso me forçar a conviver com os humanos, para viver com eles, para me humanizar.
Também seria difícil para mim colocar os animais num cercado com a alegação veganista de que nenhum deles deve trabalhar. Nós animais humanos trabalhamos, porque nos privar do convívio e da ajuda dos animais? Para quê tanto orgulho e radicalismo? Acredito que a evolução do pensamento nesse sentido deva ir para o convívio respeitoso com os animais, não seu isolamento de nossa sociedade.
Por fim, acredito na vida natural tal como Thoureau vivia. Ele se isolava numa cabana à beira do rio por meses, com um punhado de grãos e vivendo da caça. Quando é para a sobrevivência, a caça, a pesca artesanal é justa. É a luta pela vida, tão naturalmente aceita pelos animais no mar e nas florestas. Não devemos perverter o natural, mas não devemos nos resumir a sacralizá-lo, devemos apenas saber conviver respeitosamente com o natural, a natureza.
Cada um de nós somos a nossa própria consciência e provocamos a mudança, seja de ações, seja de pensamentos, que queremos no mundo. Não precisamos apregoar nossas ideias como se fossem leis, bater de casa em casa desrespeitando o pensamento alheio, gritando nos ouvidos de quem não quer ouvir. Em 10 anos de vegetarianismo, aprendi que as mudanças mais sólidas e duradouras são lentas e silenciosas. Vi pessoas se transformarem porque eu me transformei, sem que eu dissesse uma palavra pra promover o vegetarianismo.
Enfim, entendo perfeitamente que sim, é possível ser a mudança que desejamos para o mundo, sem ambições, sem megalomania, sem pregação de casa em casa, discursos acalorados, paranoia, hashtags, campanhas publicitárias apelativas cheias de celebridades ou mídias sociais.
É simples, simplesmente ser.
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segunda-feira, 11 de agosto de 2014
Jornalismo - guias e manuais
Manual do repórter de polícia
http://manualdoreporterdepolicia.blogspot.com.br/?view=flipcard
É um dicionários de termos e expressões corriqueiras para quem cobre polícia. Fundamental também para quem cobre geral não se atrapalhar com coisas do direito penal e o policialês.
Guia para a verificação de conteúdo digital
http://www.verificationhandbook.com/book_br/index.php
Um bom guia para jornalistas digitais. Principalmente aqueles repórteres que são contratados para não sair do mundo web e precisam saber se suas fontes online são confiáveis. “No ambiente digital de hoje em dia, onde boatos e conteúdos falsos circulam, jornalistas precisam ser capazes de diferenciar materiais autênticos dos forjados. Esse manual inovador é leitura obrigatória para jornalistas que lidam com todo tipo de conteúdo gerado por usuários.” Wilfried Ruetten, Diretor, Centro Europeu de Jornalismo (EJC).
Mais guias, manuais e ebooks sobre jornalismo disponíveis para download neste site legal aqui.
http://manualdoreporterdepolicia.blogspot.com.br/?view=flipcard
É um dicionários de termos e expressões corriqueiras para quem cobre polícia. Fundamental também para quem cobre geral não se atrapalhar com coisas do direito penal e o policialês.
Guia para a verificação de conteúdo digital
http://www.verificationhandbook.com/book_br/index.php
Um bom guia para jornalistas digitais. Principalmente aqueles repórteres que são contratados para não sair do mundo web e precisam saber se suas fontes online são confiáveis. “No ambiente digital de hoje em dia, onde boatos e conteúdos falsos circulam, jornalistas precisam ser capazes de diferenciar materiais autênticos dos forjados. Esse manual inovador é leitura obrigatória para jornalistas que lidam com todo tipo de conteúdo gerado por usuários.” Wilfried Ruetten, Diretor, Centro Europeu de Jornalismo (EJC).
Mais guias, manuais e ebooks sobre jornalismo disponíveis para download neste site legal aqui.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Mestre em defesa: Do desastre para o risco
Não só bacharel, mas mestre em Jornalismo agora. Não que títulos signifiquem muito para mim, mas foram três anos intensos e preocupantes, de pesquisa profunda e descabelante. Defesa devidamente feita, graças ao meu orientador, Prof. Dr. Eduardo Meditsch, e aos membros da banca que foram maravilhosos, Profa. Dra.Cilene Victor, Prof. Dr. Rogério Christofoletti, Prof. Dr. Antônio Edésio Jungles.
Espero que tenha conseguido, neste trabalho, diminuir a distância entre o Jornalismo e os órgãos de gestão e Redução de Risco e Desastre, mostrando onde ambos se confluem para a cooperação em situações de emergência.
O resultado está no repositório online da biblioteca da UFSC:
Este trabalho parte do debate sobre a questão da qualidade no Jornalismo e o relaciona com seu papel de comunicação e informação na gestão e Redução de Risco e Desastre. Com o objetivo de refletir sobre essa relação, avalia a qualidade do produto da cobertura realizada pelas três revistas semanais de informação de maior circulação nacional, Veja, Isto É e Época, nos dois maiores desastres já ocorridos no Brasil, respectivamente em Santa Catarina, em novembro de 2008, e na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, e entrevista os jornalistas que trabalharam nas coberturas analisadas. A pesquisa conclui que as coberturas têm qualidade satisfatória no que se refere à informação factual sobre os eventos em si, mas que existe espaço e necessidade de ir além do acontecimento catastrófico, buscando expandir seu foco para a percepção da exposição cada vez maior da sociedade ao risco e às condições de vulnerabilidade, ampliando a responsabilização da mídia diante de assuntos de interesse público. Para tanto, indica a necessidade de treinamento e especialização dos profissionais para que as coberturas jornalísticas sejam mais qualificadas e se desloquem do desastre para o risco.
Abstract
This work brings the debate on the issue of quality in journalism and relates to its role in communication and information on Disaster Risk Reduction and Management. With the goal to reflect on this issue, the study evaluates the quality of the coverage done by the three biggest Brazilian weekly news magazines, Veja, IstoÉ and Época, at the worst disasters ever occurred, respectively in Santa Catarina, in November 2008, and in the mountainous region of Rio de Janeiro, in January 2011, and also analyzed interviews of journalists who worked in coverage. The research concludes that the coverages have satisfactory quality with regard to factual information about the disaster itself, but that there is room and need to go beyond the catastrophic event, seeking to expand its focus to the perception of growing exposure of society to risk and vulnerability conditions, increasing the media accountability on issues of public interest. For this, it indicates the need for training and especialization of professional for more qualified media coverage for moving from disaster to risk.
Descrição: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Florianópolis, 2014
URI: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/128973
Espero que tenha conseguido, neste trabalho, diminuir a distância entre o Jornalismo e os órgãos de gestão e Redução de Risco e Desastre, mostrando onde ambos se confluem para a cooperação em situações de emergência.
O resultado está no repositório online da biblioteca da UFSC:
Do desastre para o risco: qualidade na cobertura em revistas semanais de informação
ResumoEste trabalho parte do debate sobre a questão da qualidade no Jornalismo e o relaciona com seu papel de comunicação e informação na gestão e Redução de Risco e Desastre. Com o objetivo de refletir sobre essa relação, avalia a qualidade do produto da cobertura realizada pelas três revistas semanais de informação de maior circulação nacional, Veja, Isto É e Época, nos dois maiores desastres já ocorridos no Brasil, respectivamente em Santa Catarina, em novembro de 2008, e na região serrana do Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, e entrevista os jornalistas que trabalharam nas coberturas analisadas. A pesquisa conclui que as coberturas têm qualidade satisfatória no que se refere à informação factual sobre os eventos em si, mas que existe espaço e necessidade de ir além do acontecimento catastrófico, buscando expandir seu foco para a percepção da exposição cada vez maior da sociedade ao risco e às condições de vulnerabilidade, ampliando a responsabilização da mídia diante de assuntos de interesse público. Para tanto, indica a necessidade de treinamento e especialização dos profissionais para que as coberturas jornalísticas sejam mais qualificadas e se desloquem do desastre para o risco.
Abstract
This work brings the debate on the issue of quality in journalism and relates to its role in communication and information on Disaster Risk Reduction and Management. With the goal to reflect on this issue, the study evaluates the quality of the coverage done by the three biggest Brazilian weekly news magazines, Veja, IstoÉ and Época, at the worst disasters ever occurred, respectively in Santa Catarina, in November 2008, and in the mountainous region of Rio de Janeiro, in January 2011, and also analyzed interviews of journalists who worked in coverage. The research concludes that the coverages have satisfactory quality with regard to factual information about the disaster itself, but that there is room and need to go beyond the catastrophic event, seeking to expand its focus to the perception of growing exposure of society to risk and vulnerability conditions, increasing the media accountability on issues of public interest. For this, it indicates the need for training and especialization of professional for more qualified media coverage for moving from disaster to risk.
Descrição: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Florianópolis, 2014
URI: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/128973
sábado, 2 de agosto de 2014
No rastro da morte
Abotoar o paletó de madeira. Dar o último suspiro. Virar presunto.
Ir para a terra dos pés juntos. Encerrar sua existência. Comer capim
pela raiz. Virar comida de vermes. Fechar os olhos pela última vez.
Partir dessa pra melhor. Virar alma penada. Acertar as contas com Deus.
Virar estrela. Ir para o além. Bater as botas.
Afinal, como é morrer?
Texto: Juliana Frandalozo
Afinal, como é morrer?
Texto: Juliana Frandalozo
Photo credit: Cheer Up, Man! via photopin (license)
O
velho portão de metal dá acesso a uma rua asfaltada, por onde sobe a
gente que caminha lentamente. Pelo caminho desviam de vendedores de
serviços, velas, flores, planos, religiões enquanto olham as pequenas
casas alinhadas, algumas enfeitadas por pequenas árvores, flores e
monumentos de pedra e mármore. Cada uma tem um nome, ou vários, datas,
às vezes uma frase. Apesar do movimento de feriado de Finados, o
silêncio é imperante. Os 60 mil moradores do cemitério São Francisco de
Assis, também conhecido por Cemitério do Itacorubi, descansam.
Eternamente.
Debaixo de sol forte de início de novembro em Florianópolis, as pessoas procuram seus parentes e amigos.
- Débora, ele falou que é acabando o muro na segunda fileira.
- É pra cá, dava pra ver a rua.
- Não é pra lá, é ali embaixo.
- Pega o telefone e liga pra sua tia.
- Dia de Finados, o trabalho é muito. - diz o administrador do cemitério, Osmar Ferreira, olhos azuis e sotaque apressado de manezinho - É muita gente procurando informação.
Osmar rabisca em um mapa amarelado e roto sobre a mesa da casa amarela, à entrada do cemitério, de onde administra as pequenas moradas com ajuda de um computador. Administra os vivos "porque morto não incomoda". De estranho só o caso da vaca fantasma.
- Seu João, aquele ali - aponta para um dos funcionários - estava na ronda noturna quando me ligou dizendo que tinha uma vaca no cemitério. Eu disse a ele, João, você pega uma corda, laça a vaca e leva pro matadouro. Quando ele voltou, a vaca tinha sumido. Não caiu dentro de sepultura, por onde é que a vaca ia sair? Era uma vaca fantasma, né?
As poucas lápides com epitáfios parecem deixar falar os mortos. "Surfo agora nos mares do céu", diz Geraldo Oliveira. "A morte é apenas mudança", filosofa Charles Hartt. Outros jazigos falam por imagens. Têm brasões do Avaí, Palmeiras, Corinthians, Santos, Vasco, São Paulo. Alguns com guitarras em mármore, em metal, em desenho.
O que se pensa da vida e da morte pode-se resumir no cemitério. Clichês para tratar de um assunto delicado como a morte? Sim, há montes deles e alguns vocês vão reconhecer ao longo da reportagem, afinal, morrer é o clichê mais batido que existe.
Até as divisões sociais. "As madames vêm dois, três dias antes do feriado de Finados para botar flor, arrumar. No feriado mesmo vem o povão", diz a vendedora de flores, Roseli Anhaia, em frente ao portão de metal. "A gente até pensa nisso quando seleciona os produtos pra vender. Traz os vasos mais chiques e caros antes, porque é o que elas gostam de comprar", Roseli revela sua estratégia de venda.
A ala da comunidade alemã é uma área reservada que parece um jardim, gramado milimetricamente aparado, arbustos podados, árvores grandes e estátuas de mármore branco. O cemitério já foi inaugurado com essa ala particular, em 18 de novembro de 1925.
- Quem foi o primeiro morto do cemitério? - pergunto ao administrador.
- Tá ali na primeira rua, Waldemar Vieira.
- Morrer custa caro?
- São R$ 280 por lote.
- R$ 280 pra ter onde cair morto. E quem não pode pagar?
- Quem não tem dinheiro, o município paga a gaveta.
Com a vaga garantida é a vez das funerárias. Elas cercam o cemitério, oferecendo seus préstimos na hora da morte. Se o cliente for previdente e planejar os funerais ainda em vida, paga mais barato, em prestações. O preço é tabelado pela prefeitura e varia de R$ 290 a R$ 3.980 por serviços como transporte, capela, preparação do morto e flores. Se o defunto for gordo, o preço aumenta em 60% porque o caixão é reforçado.
Quem não quiser ser enterrado pode escolher a cremação que sai por R$ 2.930 para o morto precavido que fez o plano. "Plano vitalício", explica o atendente com voz grave de agente funerário, para assegurar que o plano funerário não expira se a pessoa resolver não morrer pra já. Para quem morre de repente, sai mais caro, R$ 3.700.
As cinzas são entregues em uma urna para "levar à praia, se quiser", diz o agente. Mas, se o morto acinzentado não gostar de praia tem a opção de virar diamante, na Suíça, por R$ 12.000. Também há a opção de enviar as cinzas para o espaço em um foguete da Nasa. O serviço custa US$ 60.000, mas, pelo menos em Santa Catarina, ninguém nunca foi ao espaço depois de morto.
O morto que não tem tantas pretensões, ou não tem família, pode ficar descansado. O município é responsável pelo enterro de indigentes. Mesmo sem funerais, há lugar garantido na gaveta. Não é tão ruim assim. No cemitério mais famoso do mundo, o Père Lachaise, em Paris, a dançarina Isadora Duncan, morta em 1929, repousa em uma bela gaveta de mármore negro.
O psicólogo Rodrigo Caputo aponta os rituais funerários em diferentes povos ao longo da história para afirmar que mesmo com diferenças culturais, a morte é tratada como um acontecimento social. "A maneira como uma sociedade se posiciona diante da morte e do morto tem um papel decisivo na constituição e na manutenção de sua própria identidade coletiva", afirma em seu artigo O homem e suas representações sobre a morte e o morrer.
No livro Cidades dos vivos, o professor de arquitetura da USP, Renato Cymbalista, explica que os cemitérios têm participação nessa identidade. Essas construções - na forma que conhecemos hoje - surgiram, no Brasil, a partir do século XIX quando em 1801 o príncipe regente de Portugal enviou uma carta ao governador da província de São Paulo ordenando que fosse construído um cemitério a certa distância da cidade para que "os miasmas pútridos que exalam os mortos" não afetassem a saúde dos vivos.
Segundo o professor essa foi uma grande novidade. A partir de então, os mortos passaram a ser mal-vindos, fedidos e perigosos à saúde dos vivos. A recomendação do príncipe regente fazia parte de uma mudança sanitarista que estava apenas começando na Europa naquele período, surgida da necessidade de se evitar epidemias como a Peste Bubônica, também chamada Peste Negra, que dizimou um terço da população europeia no século XVII.
Isso contribuiu para mudar a condição social do morto e a relação dos vivos com a morte na cultura europeia que influenciou fortemente a nossa, americana. "Além dos significados higiênico, monumental e religioso, os cemitérios públicos darão uma resposta urbanística a demandas de ordem afetiva, e os mortos reconquistam seu lugar dentro do organismo urbano. Morando em sua própria cidade, os mortos não são mais um problema. Ao contrário, são parte fundamental da solução urbanística de todas as cidades, que já não podem mais ser imaginadas sem seus cemitérios", reitera Cymbalista.
A cidade dos mortos do Itacorubi já não tem pra onde crescer. No lugar onde todos descansam, os únicos que trabalham são Osmar Ferreira e seus onze funcionários.
- Meu neto diz que sou o dono do cemitério - brinca Osmar.
São, em média, quatro mortos por dia que se mudam para a cidade. Não há espaço para novas sepulturas, apenas gavetas. Dos que chegam, 80% a 90% já têm o jazigo da família. Houve dois casos de funcionários que se aposentaram e pouco tempo depois voltaram para o cemitério. Para serem sepultados.
A morte instiga o mistério e o desconhecido. Provoca dúvidas, Um grupo de religiosos de paletó e gravata escuros debaixo de um sol escaldante se aproxima. Dizem ser representantes de Jesus Cristo. Dizem ter respostas, mas na verdade eram só perguntas. De onde vim? Para onde vou? O que faço aqui? São questões que movimentam não só as religiões, mas também setores da ciência. Afinal, morre o corpo e a alma, o espírito, a energia vital, vai pra onde?
A questão da manutenção da consciência após a morte pode ser interpretada a partir da lei da conservação da matéria deduzida pelo químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794). Segundo a lei, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
Quando o físico Isaac Newton publicou, em 1687, a Lei de Ação e Reação, talvez não pensasse que ela pudesse ser usada para explicar como funciona o carma. Mas no século XVII, a ciência e a religião eram tão unidas, que a igreja acabava sendo a grande detentora dos saberes científicos, além de se dedicar à física e à matemática, Newton também estudava teologia e alquimia. E costumava dizer que a verdadeira filosofia era pensar sobre a morte.
Não era uma forma inovadora de pensar. Os filósofos gregos Platão e Aristóteles tinham um vasto rol de pensamentos sobre o assunto e influenciam cientistas desde então. Eles enxergavam a morte como única certeza inevitável, já que não havia como escapar dela.
Em 1595, os ensaios de Michel de Montaigne foram publicados com uma grande quantidade de linhas dedicadas a meditar sobre a morte que, para ele, era o mesmo que meditar sobre a liberdade. “Nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda a sujeição e constrangimento”.
Outro cientista famoso, Albert Einstein, em seu livro Como vejo o mundo, revelou o que pensava dessa dualidade. "Afirmo que o sentimento religioso cósmico é o mais forte e mais nobre estímulo à pesquisa científica".
Com a quantidade de perguntas que a morte instiga, não falta campo de pesquisa para a ciência. E pelo menos na medicina, onde o convívio com a morte é mais evidente, os avanços em pesquisa têm contribuído para trazer luz à hora da morte.
O momento da morte é descrito de várias formas pela medicina, até porque não se morre de um só jeito. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, OMS, a maior causa de morte no mundo é o câncer, em várias formas, seguido de doenças cardiovasculares. Isso significa que grande parte das pessoas morre em hospitais, ou passam por eles antes do fim. Muitos médicos continuam o tratamento dos pacientes mesmo com poucas chances de cura, mas aumenta o número de profissionais que concordam que quando há prognóstico reservado - que não há possibilidade de cura - prosseguir com o tratamento é prolongar o sofrimento do paciente.
Cuidar da qualidade de vida e de morte dos pacientes terminais é um dos princípios estabelecidos pela OMS sobre cuidados paliativos. A psicóloga Márcia Lisbôa confirma, em sua dissertação de mestrado, a importância de se aceitar, nesses casos, que não há cura. Ela estudou os efeitos terapêuticos dos rituais de despedida em iminência da morte em familiares de pacientes terminais no Hospital Universitário da UFSC e conclui que a despedida beneficia tanto os familiares quanto o paciente.
No artigo em que avalia, com sua equipe, as decisões médicas em casos onde a cura não é mais possível, a coordenadora da Residência Médica de Medicina Intensiva do Hospital Universitário de Florianópolis, Rachel Moritz, afirma que o fato de grande parte das mortes ocorrerem nos hospitais "tornou imprescindível que os profissionais dessas instituições aprendam a conviver e a tratar do indivíduo durante o processo do morrer". Também destaca que os cuidados com pacientes terminais dependem da "aceitação da finitude do ser humano e do reconhecimento da incapacidade médica de “curar sempre”.
A psicoterapeuta Bel Cesar no livro Morrer não se improvisa relata como a não aceitação da morte pode perturbar os últimos instantes de vida de uma pessoa. A autora trabalhou com pacientes terminais com vários tipos de doenças e relata alguns casos no livro, vividos por ela ou por outros profissionais.
Como o médico Roger Cole, que relata o caso de John, um rapaz de 26 anos com Aids, já muito debilitado, em estado terminal. O rapaz estava bastante revoltado pelo tratamento que ele sabia que não traria cura, só ia prolongar seu sofrimento, quando o médico conversou com ele. Depois de tentar conseguir respostas de John que fossem além de evasivas, o doutor percebeu que não adiantava falar em vida eterna, que para o paciente significava sofrimento eterno. Teria de dizer apenas o óbvio, ele estava morrendo e logo tudo terminaria. O rapaz aceitou melhor essas palavras que qualquer ajuda que haviam-lhe proporcionado, pois, finalmente alguém não lhe pedia para lutar uma batalha perdida. Ele morreu dois dias depois, com a família ao redor, tranquilamente.
No livro Da Morte, Rubem Alves diz que a morte é nossa única conselheira. Quando temos a consciência de que vamos morrer, nos sentimos livres para não nos importar com mais nada. "O que você deve fazer, ao se sentir impaciente com alguma coisa, é voltar-se para a sua esquerda e pedir que a morte o aconselhe". Ou, como escreve Paulo Leminski em um poema, "morrer de vez em quando é a única coisa que me acalma".
No cemitério do Itacorubi, a cidade onde os moradores não respiram, os conselhos da morte aparecem nas lápides, as únicas que representam seus habitantes. De acordo com a família Barcellos, "encontrarás mais segurança e paz, garantindo-te o êxito no caminho da vida maior". Ironicamente, nas cidades dos vivos, a paz também é um conselho muito ouvido. Quem sabe ao ouvir as palavras da morte, viver tenha um novo sentido.
Reportagem publicada em 2014, produzida e editada por Juliana Frandalozo,
"Para quem a vida sempre foi um mar sem fim"
Material jornalístico exclusivo do blog Uma Foca. Licença de uso: Trechos podem ser reproduzidos apenas com a citação obrigatória da fonte, acompanhada do permalink desta página. Reprodução integral somente com permissão da autora.
Debaixo de sol forte de início de novembro em Florianópolis, as pessoas procuram seus parentes e amigos.
- Débora, ele falou que é acabando o muro na segunda fileira.
- É pra cá, dava pra ver a rua.
- Não é pra lá, é ali embaixo.
- Pega o telefone e liga pra sua tia.
- Dia de Finados, o trabalho é muito. - diz o administrador do cemitério, Osmar Ferreira, olhos azuis e sotaque apressado de manezinho - É muita gente procurando informação.
Osmar rabisca em um mapa amarelado e roto sobre a mesa da casa amarela, à entrada do cemitério, de onde administra as pequenas moradas com ajuda de um computador. Administra os vivos "porque morto não incomoda". De estranho só o caso da vaca fantasma.
- Seu João, aquele ali - aponta para um dos funcionários - estava na ronda noturna quando me ligou dizendo que tinha uma vaca no cemitério. Eu disse a ele, João, você pega uma corda, laça a vaca e leva pro matadouro. Quando ele voltou, a vaca tinha sumido. Não caiu dentro de sepultura, por onde é que a vaca ia sair? Era uma vaca fantasma, né?
As poucas lápides com epitáfios parecem deixar falar os mortos. "Surfo agora nos mares do céu", diz Geraldo Oliveira. "A morte é apenas mudança", filosofa Charles Hartt. Outros jazigos falam por imagens. Têm brasões do Avaí, Palmeiras, Corinthians, Santos, Vasco, São Paulo. Alguns com guitarras em mármore, em metal, em desenho.
O que se pensa da vida e da morte pode-se resumir no cemitério. Clichês para tratar de um assunto delicado como a morte? Sim, há montes deles e alguns vocês vão reconhecer ao longo da reportagem, afinal, morrer é o clichê mais batido que existe.
Até as divisões sociais. "As madames vêm dois, três dias antes do feriado de Finados para botar flor, arrumar. No feriado mesmo vem o povão", diz a vendedora de flores, Roseli Anhaia, em frente ao portão de metal. "A gente até pensa nisso quando seleciona os produtos pra vender. Traz os vasos mais chiques e caros antes, porque é o que elas gostam de comprar", Roseli revela sua estratégia de venda.
A ala da comunidade alemã é uma área reservada que parece um jardim, gramado milimetricamente aparado, arbustos podados, árvores grandes e estátuas de mármore branco. O cemitério já foi inaugurado com essa ala particular, em 18 de novembro de 1925.
- Quem foi o primeiro morto do cemitério? - pergunto ao administrador.
- Tá ali na primeira rua, Waldemar Vieira.
- Morrer custa caro?
- São R$ 280 por lote.
- R$ 280 pra ter onde cair morto. E quem não pode pagar?
- Quem não tem dinheiro, o município paga a gaveta.
Com a vaga garantida é a vez das funerárias. Elas cercam o cemitério, oferecendo seus préstimos na hora da morte. Se o cliente for previdente e planejar os funerais ainda em vida, paga mais barato, em prestações. O preço é tabelado pela prefeitura e varia de R$ 290 a R$ 3.980 por serviços como transporte, capela, preparação do morto e flores. Se o defunto for gordo, o preço aumenta em 60% porque o caixão é reforçado.
Quem não quiser ser enterrado pode escolher a cremação que sai por R$ 2.930 para o morto precavido que fez o plano. "Plano vitalício", explica o atendente com voz grave de agente funerário, para assegurar que o plano funerário não expira se a pessoa resolver não morrer pra já. Para quem morre de repente, sai mais caro, R$ 3.700.
As cinzas são entregues em uma urna para "levar à praia, se quiser", diz o agente. Mas, se o morto acinzentado não gostar de praia tem a opção de virar diamante, na Suíça, por R$ 12.000. Também há a opção de enviar as cinzas para o espaço em um foguete da Nasa. O serviço custa US$ 60.000, mas, pelo menos em Santa Catarina, ninguém nunca foi ao espaço depois de morto.
O morto que não tem tantas pretensões, ou não tem família, pode ficar descansado. O município é responsável pelo enterro de indigentes. Mesmo sem funerais, há lugar garantido na gaveta. Não é tão ruim assim. No cemitério mais famoso do mundo, o Père Lachaise, em Paris, a dançarina Isadora Duncan, morta em 1929, repousa em uma bela gaveta de mármore negro.
A sete palmos
Abrir um buraco com sete palmos de profundidade para enterrar os mortos é a forma mais comum de destinar os cadáveres desde a Pré-História, quando o homem de Neandertal começou a pensar em coisas mais complexas. Nas diferentes culturas e civilizações que se seguiram a morte cumpriu um importante papel social e cultural.O psicólogo Rodrigo Caputo aponta os rituais funerários em diferentes povos ao longo da história para afirmar que mesmo com diferenças culturais, a morte é tratada como um acontecimento social. "A maneira como uma sociedade se posiciona diante da morte e do morto tem um papel decisivo na constituição e na manutenção de sua própria identidade coletiva", afirma em seu artigo O homem e suas representações sobre a morte e o morrer.
No livro Cidades dos vivos, o professor de arquitetura da USP, Renato Cymbalista, explica que os cemitérios têm participação nessa identidade. Essas construções - na forma que conhecemos hoje - surgiram, no Brasil, a partir do século XIX quando em 1801 o príncipe regente de Portugal enviou uma carta ao governador da província de São Paulo ordenando que fosse construído um cemitério a certa distância da cidade para que "os miasmas pútridos que exalam os mortos" não afetassem a saúde dos vivos.
Segundo o professor essa foi uma grande novidade. A partir de então, os mortos passaram a ser mal-vindos, fedidos e perigosos à saúde dos vivos. A recomendação do príncipe regente fazia parte de uma mudança sanitarista que estava apenas começando na Europa naquele período, surgida da necessidade de se evitar epidemias como a Peste Bubônica, também chamada Peste Negra, que dizimou um terço da população europeia no século XVII.
Isso contribuiu para mudar a condição social do morto e a relação dos vivos com a morte na cultura europeia que influenciou fortemente a nossa, americana. "Além dos significados higiênico, monumental e religioso, os cemitérios públicos darão uma resposta urbanística a demandas de ordem afetiva, e os mortos reconquistam seu lugar dentro do organismo urbano. Morando em sua própria cidade, os mortos não são mais um problema. Ao contrário, são parte fundamental da solução urbanística de todas as cidades, que já não podem mais ser imaginadas sem seus cemitérios", reitera Cymbalista.
A cidade dos mortos do Itacorubi já não tem pra onde crescer. No lugar onde todos descansam, os únicos que trabalham são Osmar Ferreira e seus onze funcionários.
- Meu neto diz que sou o dono do cemitério - brinca Osmar.
São, em média, quatro mortos por dia que se mudam para a cidade. Não há espaço para novas sepulturas, apenas gavetas. Dos que chegam, 80% a 90% já têm o jazigo da família. Houve dois casos de funcionários que se aposentaram e pouco tempo depois voltaram para o cemitério. Para serem sepultados.
A morte instiga o mistério e o desconhecido. Provoca dúvidas, Um grupo de religiosos de paletó e gravata escuros debaixo de um sol escaldante se aproxima. Dizem ser representantes de Jesus Cristo. Dizem ter respostas, mas na verdade eram só perguntas. De onde vim? Para onde vou? O que faço aqui? São questões que movimentam não só as religiões, mas também setores da ciência. Afinal, morre o corpo e a alma, o espírito, a energia vital, vai pra onde?
photo credit: (Don't fear) The LEGO Reaper via photopin (license)
A ciência e a morte
A proximidade do mundo científico com o espiritual tem um espaço garantido na física quântica, que veio ganhando espaço a partir da década de 1960. O professor indiano de física da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, Amit Goswami estuda a permanência da consciência após a morte e acredita que esse é o caminho para comprovar a reencarnação. Para ele a física quântica pode comprovar que sem a existência de um conjunto superior - algo que se pode chamar de Deus - o universo é inconsistente.A questão da manutenção da consciência após a morte pode ser interpretada a partir da lei da conservação da matéria deduzida pelo químico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794). Segundo a lei, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".
Quando o físico Isaac Newton publicou, em 1687, a Lei de Ação e Reação, talvez não pensasse que ela pudesse ser usada para explicar como funciona o carma. Mas no século XVII, a ciência e a religião eram tão unidas, que a igreja acabava sendo a grande detentora dos saberes científicos, além de se dedicar à física e à matemática, Newton também estudava teologia e alquimia. E costumava dizer que a verdadeira filosofia era pensar sobre a morte.
Não era uma forma inovadora de pensar. Os filósofos gregos Platão e Aristóteles tinham um vasto rol de pensamentos sobre o assunto e influenciam cientistas desde então. Eles enxergavam a morte como única certeza inevitável, já que não havia como escapar dela.
Em 1595, os ensaios de Michel de Montaigne foram publicados com uma grande quantidade de linhas dedicadas a meditar sobre a morte que, para ele, era o mesmo que meditar sobre a liberdade. “Nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda a sujeição e constrangimento”.
Outro cientista famoso, Albert Einstein, em seu livro Como vejo o mundo, revelou o que pensava dessa dualidade. "Afirmo que o sentimento religioso cósmico é o mais forte e mais nobre estímulo à pesquisa científica".
Com a quantidade de perguntas que a morte instiga, não falta campo de pesquisa para a ciência. E pelo menos na medicina, onde o convívio com a morte é mais evidente, os avanços em pesquisa têm contribuído para trazer luz à hora da morte.
A única certeza desse mundo é que a gente vai morrer.
O coração para. A circulação do sangue também. As células do cérebro são as primeiras a morrer, levam de três a sete minutos. O sangue começa a se concentrar nas partes inferiores do corpo, causando palidez. Em três horas os músculos enrijecem. Em 24 horas o cadáver esfria. Conforme as células morrem, as bactérias começam a decompô-lo.O momento da morte é descrito de várias formas pela medicina, até porque não se morre de um só jeito. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, OMS, a maior causa de morte no mundo é o câncer, em várias formas, seguido de doenças cardiovasculares. Isso significa que grande parte das pessoas morre em hospitais, ou passam por eles antes do fim. Muitos médicos continuam o tratamento dos pacientes mesmo com poucas chances de cura, mas aumenta o número de profissionais que concordam que quando há prognóstico reservado - que não há possibilidade de cura - prosseguir com o tratamento é prolongar o sofrimento do paciente.
Cuidar da qualidade de vida e de morte dos pacientes terminais é um dos princípios estabelecidos pela OMS sobre cuidados paliativos. A psicóloga Márcia Lisbôa confirma, em sua dissertação de mestrado, a importância de se aceitar, nesses casos, que não há cura. Ela estudou os efeitos terapêuticos dos rituais de despedida em iminência da morte em familiares de pacientes terminais no Hospital Universitário da UFSC e conclui que a despedida beneficia tanto os familiares quanto o paciente.
No artigo em que avalia, com sua equipe, as decisões médicas em casos onde a cura não é mais possível, a coordenadora da Residência Médica de Medicina Intensiva do Hospital Universitário de Florianópolis, Rachel Moritz, afirma que o fato de grande parte das mortes ocorrerem nos hospitais "tornou imprescindível que os profissionais dessas instituições aprendam a conviver e a tratar do indivíduo durante o processo do morrer". Também destaca que os cuidados com pacientes terminais dependem da "aceitação da finitude do ser humano e do reconhecimento da incapacidade médica de “curar sempre”.
A psicoterapeuta Bel Cesar no livro Morrer não se improvisa relata como a não aceitação da morte pode perturbar os últimos instantes de vida de uma pessoa. A autora trabalhou com pacientes terminais com vários tipos de doenças e relata alguns casos no livro, vividos por ela ou por outros profissionais.
Como o médico Roger Cole, que relata o caso de John, um rapaz de 26 anos com Aids, já muito debilitado, em estado terminal. O rapaz estava bastante revoltado pelo tratamento que ele sabia que não traria cura, só ia prolongar seu sofrimento, quando o médico conversou com ele. Depois de tentar conseguir respostas de John que fossem além de evasivas, o doutor percebeu que não adiantava falar em vida eterna, que para o paciente significava sofrimento eterno. Teria de dizer apenas o óbvio, ele estava morrendo e logo tudo terminaria. O rapaz aceitou melhor essas palavras que qualquer ajuda que haviam-lhe proporcionado, pois, finalmente alguém não lhe pedia para lutar uma batalha perdida. Ele morreu dois dias depois, com a família ao redor, tranquilamente.
No livro Da Morte, Rubem Alves diz que a morte é nossa única conselheira. Quando temos a consciência de que vamos morrer, nos sentimos livres para não nos importar com mais nada. "O que você deve fazer, ao se sentir impaciente com alguma coisa, é voltar-se para a sua esquerda e pedir que a morte o aconselhe". Ou, como escreve Paulo Leminski em um poema, "morrer de vez em quando é a única coisa que me acalma".
No cemitério do Itacorubi, a cidade onde os moradores não respiram, os conselhos da morte aparecem nas lápides, as únicas que representam seus habitantes. De acordo com a família Barcellos, "encontrarás mais segurança e paz, garantindo-te o êxito no caminho da vida maior". Ironicamente, nas cidades dos vivos, a paz também é um conselho muito ouvido. Quem sabe ao ouvir as palavras da morte, viver tenha um novo sentido.
Reportagem publicada em 2014, produzida e editada por Juliana Frandalozo,
"Para quem a vida sempre foi um mar sem fim"
Material jornalístico exclusivo do blog Uma Foca. Licença de uso: Trechos podem ser reproduzidos apenas com a citação obrigatória da fonte, acompanhada do permalink desta página. Reprodução integral somente com permissão da autora.
quinta-feira, 26 de junho de 2014
Quão plural deve ser o jornalismo?
Com a internet e as mídias sociais popularizadas toda e qualquer pessoa tem voz e essa voz pode ter a sorte ou o azar de ser amplificada para todo o mundo. O caso da torcedora gremista achincalhada por ter sido flagrada pelas câmeras gritando "macaco" para um jogador do time rival une-se a outros tantos que mostram que o mundo não está preparado para a pluralidade de vozes.
Um dos pilares do jornalismo de qualidade, a pluralidade de vozes determina que uma matéria jornalística deve abordar os diferentes lados de uma mesma questão buscando a isenção e a imparcialidade possível, deixando que as opiniões sejam emitidas pelas fontes, não pela matéria.
Mas que vozes são essas? Devem ser vozes representativas, de fontes confiáveis que tem algo relevante a dizer.
Se partimos do critério de que o jornalista tem suas limitações e usa seus recursos para escolher suas fontes, admitimos que não é qualquer voz que entra na matéria e, portanto, não é exatamente plural essa escolha.
Se partimos do critério de que "a voz do povo é a voz de Deus", as mídias sociais ressaltam vozes pela multiplicidade de "curtidas" que representa sua popularidade. Mas a voz do povo é a voz de Deus? Bem, foi o povo quem decidiu libertar o ladrão e crucificar Jesus, daí vocês tiram seu ponto de vista.
As mídias sociais não ressaltam vozes representativas. O povo não escolhe seus representantes baseados em critérios sérios e sábios. Escolhe por afinidade, amor e ódio, baseados no senso simples de "gosto", "não gosto", exatamente como nas mídias sociais. Pior. Escolhem aquele que mais aparece, o mais popular, porque acreditam que a massa sabe quem é o melhor. Mas cada indivíduo da massa escolhe dessa forma. E é por isso que continua sendo massa de manobra.
A massa segue impulsos coletivos ou o calor do momento, como afirmou a torcedora gremista e um dos assassinos da dona de casa de Santos morta após ser linchada por moradores que 'achavam' que ela era uma criminosa. Também seguem o calor do momento as pessoas que estão achincalhando a torcedora gremista porque foi a imagem dela que ficou repetindo e repetindo na TV e pelas mídias sociais. As outras dezenas de torcedores que gritaram macaco, negros inclusive, não são nem citados.
Podemos confiar no impulso coletivo, no calor do momento? Não é necessário citar alguém, ou seriam milhares de sábios para justificar a resposta: Não. Devemos trazer as emoções guardadas pela razão, essa é a postura sábia. Mas esse é um comportamento que não combina com as massas. Massas combinam com o calor do momento, a emoção a flor da pele, aquele momento em que o indivíduo se torna coletivo para justificar atitudes que não faria como indivíduo, ruins ou boas.
E é por isso que a pluralidade de fontes, a total liberdade que a internet e as mídias sociais proporcionam, é falsa e perigosa. Permite que ignorantes ganhem voz e provoquem impulsos coletivos rasteiros, de raiva, de preconceito, de linchamento moral, que por vezes se torna físico.
O jornalismo tem compromisso com a verdade e a responsabilidade social, com a vigilância do poder e com a garantia de que as vozes serão tão plurais quanto possível. Mas que essas vozes serão relevantes e não apenas agitadores de momento. O poder de julgar que vozes são essas vem do treinamento,da prática, do conhecimento e da ética. Não do calor do momento.
Um dos pilares do jornalismo de qualidade, a pluralidade de vozes determina que uma matéria jornalística deve abordar os diferentes lados de uma mesma questão buscando a isenção e a imparcialidade possível, deixando que as opiniões sejam emitidas pelas fontes, não pela matéria.
Mas que vozes são essas? Devem ser vozes representativas, de fontes confiáveis que tem algo relevante a dizer.
Se partimos do critério de que o jornalista tem suas limitações e usa seus recursos para escolher suas fontes, admitimos que não é qualquer voz que entra na matéria e, portanto, não é exatamente plural essa escolha.
Se partimos do critério de que "a voz do povo é a voz de Deus", as mídias sociais ressaltam vozes pela multiplicidade de "curtidas" que representa sua popularidade. Mas a voz do povo é a voz de Deus? Bem, foi o povo quem decidiu libertar o ladrão e crucificar Jesus, daí vocês tiram seu ponto de vista.
As mídias sociais não ressaltam vozes representativas. O povo não escolhe seus representantes baseados em critérios sérios e sábios. Escolhe por afinidade, amor e ódio, baseados no senso simples de "gosto", "não gosto", exatamente como nas mídias sociais. Pior. Escolhem aquele que mais aparece, o mais popular, porque acreditam que a massa sabe quem é o melhor. Mas cada indivíduo da massa escolhe dessa forma. E é por isso que continua sendo massa de manobra.
A massa segue impulsos coletivos ou o calor do momento, como afirmou a torcedora gremista e um dos assassinos da dona de casa de Santos morta após ser linchada por moradores que 'achavam' que ela era uma criminosa. Também seguem o calor do momento as pessoas que estão achincalhando a torcedora gremista porque foi a imagem dela que ficou repetindo e repetindo na TV e pelas mídias sociais. As outras dezenas de torcedores que gritaram macaco, negros inclusive, não são nem citados.
Podemos confiar no impulso coletivo, no calor do momento? Não é necessário citar alguém, ou seriam milhares de sábios para justificar a resposta: Não. Devemos trazer as emoções guardadas pela razão, essa é a postura sábia. Mas esse é um comportamento que não combina com as massas. Massas combinam com o calor do momento, a emoção a flor da pele, aquele momento em que o indivíduo se torna coletivo para justificar atitudes que não faria como indivíduo, ruins ou boas.
E é por isso que a pluralidade de fontes, a total liberdade que a internet e as mídias sociais proporcionam, é falsa e perigosa. Permite que ignorantes ganhem voz e provoquem impulsos coletivos rasteiros, de raiva, de preconceito, de linchamento moral, que por vezes se torna físico.
O jornalismo tem compromisso com a verdade e a responsabilidade social, com a vigilância do poder e com a garantia de que as vozes serão tão plurais quanto possível. Mas que essas vozes serão relevantes e não apenas agitadores de momento. O poder de julgar que vozes são essas vem do treinamento,da prática, do conhecimento e da ética. Não do calor do momento.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2013
Viver é um risco que temos que correr
“Para mim, é impossível existir sem sonho. A vida na sua totalidade me ensinou como grande lição que é impossível assumi-la sem risco.”
Paulo Freire
Paulo Freire
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Prova de altruísmo vira exigência em concursos e eleições para cargos públicos
Enquanto estava na graduação na UFSC, aproveitei a carga de optativas para expandir meu conhecimento em outras áreas. Então rumei para uma disciplina do CSE, chamada História do Pensamento Econômico. E o que aprendi lá me marcou muito.
Lembro-me especificamente de um trabalho que me apresentou a alguns nomes do pensamento econômico. Entre eles, um me faz pensar até hoje.
Claude Henri de Saint-Simon, um filósofo e economista francês (1760-1825). Suas ideias foram a base do socialismo moderno, e principalmente do socialismo utópico. Ok, eu sou daquelas pessoas práticas que olham a palavra utopia com uma boa carga de preconceito e por isso que as ideias desse cara me marcaram muito.
Em um ambiente de efervescência de novas ideias políticas, que era Paris na época em que ele viveu, ele defendia que um novo regime político-econômico devia ser pautado pela ciência, pelo progresso científico para que a administração pública fosse mais eficiente e socialmente justa.
Lembrem-se que a Revolução Francesa foi em 1789 e revolucionou o pensamento não apenas da França, mas de todo o mundo. Naquela época, pensar em justiça social era loucura, pois os nobres eram os únicos a terem direitos. A justiça para a plebe era o chicote. Só isso coloca o cara num patamar de pensador revolucionário. Mas suas ideias iam mais longe.
Ele propunha tirar os burocratas, políticos e nobres do poder e colocar os intelectuais e cientistas. Dessa forma, a administração não seria voltada apenas para os interesses de uma minoria privilegiada, mas seria feita de uma forma mais inteligente, com eficiência científica. Assim, o progresso material e social seria garantido, pois os pensadores no poder sempre primariam por decisões boas para todos.
Até hoje me pego pensando nisso. Se, pudéssemos isolar as variáveis e analisar o pensamento de Saint-Simon a partir do desempenho de cientistas e pensadores no poder, o que teríamos de resultado? Tudo bem que isolar as variáveis é muito difícil, pois política é um cenário complexo, com uma gama variada de interesses, partidos e pessoas que mudam de ideia ao sabor dos ventos - e das eleições.
Mas não consigo deixar de acreditar que ele tinha razão. Precisamos de pessoas inteligentes no poder. Há um excesso de gente burra. Gente burra no sentido de que usam suas capacidades para deturpar a função pública, usando sua posição para favorecimento próprio. Esse nunca foi o objetivo do cargo público.
Ao contrário da época em que Saint-Simon viveu, hoje temos um cenário de democracia, no qual a plebe se elege por popularidade, e não necessariamente por competência. E até existem bons políticos que não são grandes intelectuais, nem cientistas, mas são bons pensadores. Porque pensam no bem público. São altruístas.
Daí então, venho complementar a tese de Saint-Simon. Acho que deveria haver uma prova para todo candidato a cargo público. Uma prova de altruísmo. Eliminatória.
Lembro-me especificamente de um trabalho que me apresentou a alguns nomes do pensamento econômico. Entre eles, um me faz pensar até hoje.
Claude Henri de Saint-Simon, um filósofo e economista francês (1760-1825). Suas ideias foram a base do socialismo moderno, e principalmente do socialismo utópico. Ok, eu sou daquelas pessoas práticas que olham a palavra utopia com uma boa carga de preconceito e por isso que as ideias desse cara me marcaram muito.
Em um ambiente de efervescência de novas ideias políticas, que era Paris na época em que ele viveu, ele defendia que um novo regime político-econômico devia ser pautado pela ciência, pelo progresso científico para que a administração pública fosse mais eficiente e socialmente justa.
Lembrem-se que a Revolução Francesa foi em 1789 e revolucionou o pensamento não apenas da França, mas de todo o mundo. Naquela época, pensar em justiça social era loucura, pois os nobres eram os únicos a terem direitos. A justiça para a plebe era o chicote. Só isso coloca o cara num patamar de pensador revolucionário. Mas suas ideias iam mais longe.
Ele propunha tirar os burocratas, políticos e nobres do poder e colocar os intelectuais e cientistas. Dessa forma, a administração não seria voltada apenas para os interesses de uma minoria privilegiada, mas seria feita de uma forma mais inteligente, com eficiência científica. Assim, o progresso material e social seria garantido, pois os pensadores no poder sempre primariam por decisões boas para todos.
Até hoje me pego pensando nisso. Se, pudéssemos isolar as variáveis e analisar o pensamento de Saint-Simon a partir do desempenho de cientistas e pensadores no poder, o que teríamos de resultado? Tudo bem que isolar as variáveis é muito difícil, pois política é um cenário complexo, com uma gama variada de interesses, partidos e pessoas que mudam de ideia ao sabor dos ventos - e das eleições.
Mas não consigo deixar de acreditar que ele tinha razão. Precisamos de pessoas inteligentes no poder. Há um excesso de gente burra. Gente burra no sentido de que usam suas capacidades para deturpar a função pública, usando sua posição para favorecimento próprio. Esse nunca foi o objetivo do cargo público.
Ao contrário da época em que Saint-Simon viveu, hoje temos um cenário de democracia, no qual a plebe se elege por popularidade, e não necessariamente por competência. E até existem bons políticos que não são grandes intelectuais, nem cientistas, mas são bons pensadores. Porque pensam no bem público. São altruístas.
Daí então, venho complementar a tese de Saint-Simon. Acho que deveria haver uma prova para todo candidato a cargo público. Uma prova de altruísmo. Eliminatória.
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
Tarefa de hoje: Fazer uma lista de livros
Ah listas! Adoramos fazer listas. Apesar do Iphone ter um bloquinho de notas muito útil eu ainda tenho o hábito de fazer listas de papel e riscar as coisas na medida que vou fazendo. É tanta lista que minha agenda tem que ter obrigatoriamente um lugar para guardá-las.
Faz tempo eu tinha uma agenda com páginas que eram só para listas e uma delas era de livros para ler. Desde que terminei o mestrado tenho me acostumado lentamente à liberdade de ler o que eu quiser e começou a surgir a necessidade de fazer novamente uma listas de livros para ler. Não vou colocar na lista os livros que eu já tenho mas ainda não li, só os que eu preciso adquirir. Bora lá:
Adeus a Berlim - Christopher Isherwood (1939) [+]
Quero ler esse por causa da descrição da personagem Sarah Bowles, que vi em outro livro.
Walden - Henry David Thoreau (1854) [+]
Leio Thoreau e os pensamentos dele me soam tão familiares. Identificação imediata. Walden é um dos livros dele que me faltam.
Um bonde chamado desejo - Teneessee Williams (1947) [+]
Certo, fiquei curiosa depois de vê-lo citado no seriado The Big Bang Theory. Na série, a personagem Penny, que é atriz, consegue um papel na peça.
Incidente em Antares - Érico Veríssimo (1971) [+]
Lembrei-me da série que a Rede Globo produziu e fui em busca dos Veríssimo que não li.
A insustentável leveza do ser - Milan Kundera (1984) [+]
Estou com esse livro na cabeça há um tempão.
Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez (1967) [+]
Um dos livros de Gabo que não li e que me soa, tipo assim, básico.
Vento Leste, Vento Oeste - Pearl S. Buck (1930) [+]
Depois de ler A Grande Travessia, da mesma autora, me interessei por seu primeiro livro publicado. E por outros também, mas esse primeiro.
Madame Bovary - Gustave Flaubert (1857) [+]
Li um comentário recentemente e me pareceu básico ler esse livro para dar mais corpo a uma determinada cadeia de ideias.
Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1605) [+]
Soube que o musical O homem de La Mancha vai estrear em São Paulo e me ocorreu que nunca li Dom Quixote. Além disso uma frase dita pelo personagem título e repetida por Dulcinéia na peça me fez querer conferir a obra escrita: Acreditar na virtude é mais importante que a própria virtude. Interessante!
Por enquanto são esses. Estou procurando alguns autores atuais que lançam essas histórias longas tipo Crônicas de Gelo e Fogo, Gone, se tiverem sugestões, deixem aí nos comentários! Só não livro de zumbi, porque me dá pesadelos, hahahah!
Faz tempo eu tinha uma agenda com páginas que eram só para listas e uma delas era de livros para ler. Desde que terminei o mestrado tenho me acostumado lentamente à liberdade de ler o que eu quiser e começou a surgir a necessidade de fazer novamente uma listas de livros para ler. Não vou colocar na lista os livros que eu já tenho mas ainda não li, só os que eu preciso adquirir. Bora lá:
Adeus a Berlim - Christopher Isherwood (1939) [+]
Quero ler esse por causa da descrição da personagem Sarah Bowles, que vi em outro livro.
Walden - Henry David Thoreau (1854) [+]
Leio Thoreau e os pensamentos dele me soam tão familiares. Identificação imediata. Walden é um dos livros dele que me faltam.
Um bonde chamado desejo - Teneessee Williams (1947) [+]
Certo, fiquei curiosa depois de vê-lo citado no seriado The Big Bang Theory. Na série, a personagem Penny, que é atriz, consegue um papel na peça.
Incidente em Antares - Érico Veríssimo (1971) [+]
Lembrei-me da série que a Rede Globo produziu e fui em busca dos Veríssimo que não li.
A insustentável leveza do ser - Milan Kundera (1984) [+]
Estou com esse livro na cabeça há um tempão.
Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez (1967) [+]
Um dos livros de Gabo que não li e que me soa, tipo assim, básico.
Vento Leste, Vento Oeste - Pearl S. Buck (1930) [+]
Depois de ler A Grande Travessia, da mesma autora, me interessei por seu primeiro livro publicado. E por outros também, mas esse primeiro.
Madame Bovary - Gustave Flaubert (1857) [+]
Li um comentário recentemente e me pareceu básico ler esse livro para dar mais corpo a uma determinada cadeia de ideias.
Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1605) [+]
Soube que o musical O homem de La Mancha vai estrear em São Paulo e me ocorreu que nunca li Dom Quixote. Além disso uma frase dita pelo personagem título e repetida por Dulcinéia na peça me fez querer conferir a obra escrita: Acreditar na virtude é mais importante que a própria virtude. Interessante!
Por enquanto são esses. Estou procurando alguns autores atuais que lançam essas histórias longas tipo Crônicas de Gelo e Fogo, Gone, se tiverem sugestões, deixem aí nos comentários! Só não livro de zumbi, porque me dá pesadelos, hahahah!
sábado, 21 de setembro de 2013
terça-feira, 9 de julho de 2013
Rumores - Como lidar com boatos em situações de crise
A internet nos trouxe muita coisa boa, principalmente a possibilidade de acesso à informação e expressão, mas com ela, também vieram os maus hábitos da fofoca, dos rumores e da disseminação de boatos e lendas urbanas. Só que agora, eles ganham grande dimensão em tempo real. Isso é um grande desafio quando se trata de comunicação em crises e desastres.
Em 2004, quando a gripe aviária se tornou epidemia na Ásia, a OMS (Organização Mundial da Saúde), se mobilizou em um escritório de vigilância para dar conta de desmistificar boatos sobre a gripe H5N1. Eles identificaram 40 rumores, dos quais nove se revelaram verdadeiros.
Em uma situação de crise, os boatos se instalam quando a comunicação falha, por isso a comunicação em crises é tão importante. Ao final a equipe da OMS (World Health Organization Outbreak Response Team), preparou uma publicação para compartilhar sua experiência no gerenciamento dessa crise.
Assim como a OMS, outras equipes de comunicação institucional gerenciaram muitas crises e compartilharam suas resoluções. No artigo Rumors: Information Is the Antidote, o especialista em comunicação de risco, Peter M. Sandman, contou algumas dessas histórias e destacou seis boas formas de se responder a falsos rumores. Interessante ver que as dicas servem para todo tipo de rumor.
1. Repeat the rumor you’re rebutting. If people are hearing X from their friends and coworkers, you can’t just say Y instead, as if you hadn’t even heard the rumor. You need to start by saying, “Yes, I heard X too.”
2. Be empathic toward those who believe the rumor. You don’t want to validate that X is true, since your point is that it’s false – but it helps to validate that people aren’t stupid to think X might be true.
3. Demonstrate that you have taken the rumor seriously. Many people expect official sources to deny damaging rumors whether they’re true or not. So if you want your denials to be credible, show that they’re not knee-jerk. “Here’s what I did to look into the rumor…. And here’s what I learned….”
4. Give evidence that the rumor is false. Your evidence may be quantitative data. It may be quotations from credible third parties. It may be anecdotal. Ideally, it will be all of the above. Don’t expect people to take your word for it.
5. Discuss all evidence that the rumor is true. Assume people have heard or will hear the other side’s most persuasive arguments. They will loom all the larger if you haven’t mentioned them. If the evidence is 95% on your side, don’t claim it’s 100% on your side. Talk about the discrepant 5%.
6. Promise to stay alert. Good science is always tentative, and so is good risk communication. “Even though there are no signs of X so far, I am keeping an open mind. If the situation changes, here’s how I’ll know…. And if that happens, I will announce it immediately.”
Em 2004, quando a gripe aviária se tornou epidemia na Ásia, a OMS (Organização Mundial da Saúde), se mobilizou em um escritório de vigilância para dar conta de desmistificar boatos sobre a gripe H5N1. Eles identificaram 40 rumores, dos quais nove se revelaram verdadeiros.
Em uma situação de crise, os boatos se instalam quando a comunicação falha, por isso a comunicação em crises é tão importante. Ao final a equipe da OMS (World Health Organization Outbreak Response Team), preparou uma publicação para compartilhar sua experiência no gerenciamento dessa crise.
Assim como a OMS, outras equipes de comunicação institucional gerenciaram muitas crises e compartilharam suas resoluções. No artigo Rumors: Information Is the Antidote, o especialista em comunicação de risco, Peter M. Sandman, contou algumas dessas histórias e destacou seis boas formas de se responder a falsos rumores. Interessante ver que as dicas servem para todo tipo de rumor.
1. Repeat the rumor you’re rebutting. If people are hearing X from their friends and coworkers, you can’t just say Y instead, as if you hadn’t even heard the rumor. You need to start by saying, “Yes, I heard X too.”
2. Be empathic toward those who believe the rumor. You don’t want to validate that X is true, since your point is that it’s false – but it helps to validate that people aren’t stupid to think X might be true.
3. Demonstrate that you have taken the rumor seriously. Many people expect official sources to deny damaging rumors whether they’re true or not. So if you want your denials to be credible, show that they’re not knee-jerk. “Here’s what I did to look into the rumor…. And here’s what I learned….”
4. Give evidence that the rumor is false. Your evidence may be quantitative data. It may be quotations from credible third parties. It may be anecdotal. Ideally, it will be all of the above. Don’t expect people to take your word for it.
5. Discuss all evidence that the rumor is true. Assume people have heard or will hear the other side’s most persuasive arguments. They will loom all the larger if you haven’t mentioned them. If the evidence is 95% on your side, don’t claim it’s 100% on your side. Talk about the discrepant 5%.
6. Promise to stay alert. Good science is always tentative, and so is good risk communication. “Even though there are no signs of X so far, I am keeping an open mind. If the situation changes, here’s how I’ll know…. And if that happens, I will announce it immediately.”
terça-feira, 16 de abril de 2013
A morte como conselheira de uma vida intensa
A morte é uma coisa que chacoalha todo mundo. Chacoalha quando é repentina, chacoalha quando vem aos pouquinhos. Quando vem aos pouquinhos, as pessoas envolvidas podem se preparar, mas nunca estamos preparados, nem os que ficam vivos, nem os que morrem.
Morrer é uma cena para a qual não tem ensaio.
A Morte é a melhor conselheira da vida. Quando você precisa de um conselho, vire-se para a Morte e ela lhe estenderá a mão. Ela lhe mostrará que a vida é breve, que nenhum momento se repete, que não se deve perder nenhuma chance, para que na hora da morte você possa olhar para sua vida e ter a certeza de que sua vida valeu a pena. Com seus erros e acertos. E que você perdoou e foi perdoado. Que suas dívidas neste plano foram sanadas.
Morrer é uma cena para a qual não tem ensaio.
A Morte é a melhor conselheira da vida. Quando você precisa de um conselho, vire-se para a Morte e ela lhe estenderá a mão. Ela lhe mostrará que a vida é breve, que nenhum momento se repete, que não se deve perder nenhuma chance, para que na hora da morte você possa olhar para sua vida e ter a certeza de que sua vida valeu a pena. Com seus erros e acertos. E que você perdoou e foi perdoado. Que suas dívidas neste plano foram sanadas.
segunda-feira, 18 de março de 2013
Sobre títulos
Não há como não sentir uma agonia ao ir à livraria e ver tantos livros nas estantes sabendo que a decisão de ler ou não cada um deles é resumida a algumas impressões. Dentre elas uma me agonia, particularmente: o título.
Título, essa palavra com T que deve, pretensiosamente, ser o resumo do livro, dar o sentido pleno do conteúdo e ser o mote do marketing, deve ser vendável.
Todos aqueles livros tentando se vender pelo título. E o que os títulos me dizem? Marcantes, abrangentes, resumem dramaticamente o conteúdo. Alguns tentam fabricar um pretenso best-seller, mais um autor norte-americano da indústria de livros seriados, dez volumes em cinco anos.
Vejo esses nomes mais destacados que o título com receio. Li rapidamente algumas parte de Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, que estão se tornando o enredo do aclamado seriado Game of Thrones, da HBO. A série é ótima, mas os trechos que li dos livros não se venderam para mim. O título? Bem, em meio a uma avalanche de livros que falam de fantasia, magia, bruxas, magos, zumbis e vampiros, seria mais um. Mas está na HBO e esses autores norte-americanos de best-sellers são os grandes destaques nas livrarias, com mais de 80% das estantes.
Há pouco terminei de ler A Grande Travessia. Um título abstrato, uma história autobiográfica. Um livro que não comprei pela promessa do título, muito vaga, mas pelo prêmio Nobel de literatura, ganho em 1938 pela autora, Pearl Buck. O que me levou a comprar esse livro? Eu queria entender como um Nobel de Literatura escreve.
Quem poderia dizer? A obra dela não daria uma série de zumbis, de nobres disputando o reino, nem de vampiros, mas rendeu alguns filmes. Senti algo de shakespeariano no livro autobiográfico, pela humanidade descrita em cada pessoa, pela visão humana, pela observação atenta dos tipos humanos e suas relações. Já li outros livros de autores Nobel e observei a mesma coisa.
Mas é evidente que não desvendei, ou escreveria um livro de autoajuda com um título pretensioso: Como ganhar um Nobel de Literatura. Mas é fascinante ler os livros observando os truques dos autores, sua estrutura de organização, de pensamento, suas ideias, sua formação cultural, tudo aparece nos personagens, no enredo. São todos filhos do autor, com pequenas partes dele.
Quando você está escrevendo percebe que nenhuma sequência de palavras que você tenha escrito se repete nem no seu próprio texto. E eu fico olhando aqueles livros todos na prateleira da livraria tentando te impressionar pelo título, concorrendo com autores de best-sellers da indústria de zumbis e vampiros e me perco imaginando quantas sequências de palavras eles formam. Palavras que saíram de uma pessoa, o autor. Elas parecem saltar para mim.
Não é mais o título que importa, é o autor, a vida dele, uma parte dele está ali a venda em forma de papel. Você pode ver seu íntimo, pois ele sempre se deixa vazar nos diálogos dos personagens. Sei que existe um momento que você deve libertar seu filho para a maioridade e com os personagens não é diferente. Chega um momento em que você deve aceitar que ele não te pertence mais. Criou vida própria.
Tal qual um Poltergeist. Ele te assombra, fala contigo. Faz piada das suas situações. O vilão te tira do sério, quer te testar. Duvida das suas convicções, mostra o pior do ser humano. O indefensável. Mas ele também é teu filho! E você o traz de volta, o humaniza, mostra suas razões, seu passado. Mesmo assim ele te trai e te abandona. Agora você conviva com isso. Não pode controlá-lo, tal qual O médico e o monstro, Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Dói. Criar é um processo dolorosamente prazeroso. Como uma mãe que tem em seu filho a maior felicidade de todas, mas sofre a cada dia pelo medo de que ele sofra. E você ainda tem que resumir isso em uma ou poucas pequenas palavras, o título.
Título, essa palavra com T que deve, pretensiosamente, ser o resumo do livro, dar o sentido pleno do conteúdo e ser o mote do marketing, deve ser vendável.
Todos aqueles livros tentando se vender pelo título. E o que os títulos me dizem? Marcantes, abrangentes, resumem dramaticamente o conteúdo. Alguns tentam fabricar um pretenso best-seller, mais um autor norte-americano da indústria de livros seriados, dez volumes em cinco anos.
Vejo esses nomes mais destacados que o título com receio. Li rapidamente algumas parte de Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, que estão se tornando o enredo do aclamado seriado Game of Thrones, da HBO. A série é ótima, mas os trechos que li dos livros não se venderam para mim. O título? Bem, em meio a uma avalanche de livros que falam de fantasia, magia, bruxas, magos, zumbis e vampiros, seria mais um. Mas está na HBO e esses autores norte-americanos de best-sellers são os grandes destaques nas livrarias, com mais de 80% das estantes.
Há pouco terminei de ler A Grande Travessia. Um título abstrato, uma história autobiográfica. Um livro que não comprei pela promessa do título, muito vaga, mas pelo prêmio Nobel de literatura, ganho em 1938 pela autora, Pearl Buck. O que me levou a comprar esse livro? Eu queria entender como um Nobel de Literatura escreve.
Quem poderia dizer? A obra dela não daria uma série de zumbis, de nobres disputando o reino, nem de vampiros, mas rendeu alguns filmes. Senti algo de shakespeariano no livro autobiográfico, pela humanidade descrita em cada pessoa, pela visão humana, pela observação atenta dos tipos humanos e suas relações. Já li outros livros de autores Nobel e observei a mesma coisa.
Mas é evidente que não desvendei, ou escreveria um livro de autoajuda com um título pretensioso: Como ganhar um Nobel de Literatura. Mas é fascinante ler os livros observando os truques dos autores, sua estrutura de organização, de pensamento, suas ideias, sua formação cultural, tudo aparece nos personagens, no enredo. São todos filhos do autor, com pequenas partes dele.
Quando você está escrevendo percebe que nenhuma sequência de palavras que você tenha escrito se repete nem no seu próprio texto. E eu fico olhando aqueles livros todos na prateleira da livraria tentando te impressionar pelo título, concorrendo com autores de best-sellers da indústria de zumbis e vampiros e me perco imaginando quantas sequências de palavras eles formam. Palavras que saíram de uma pessoa, o autor. Elas parecem saltar para mim.
Não é mais o título que importa, é o autor, a vida dele, uma parte dele está ali a venda em forma de papel. Você pode ver seu íntimo, pois ele sempre se deixa vazar nos diálogos dos personagens. Sei que existe um momento que você deve libertar seu filho para a maioridade e com os personagens não é diferente. Chega um momento em que você deve aceitar que ele não te pertence mais. Criou vida própria.
Tal qual um Poltergeist. Ele te assombra, fala contigo. Faz piada das suas situações. O vilão te tira do sério, quer te testar. Duvida das suas convicções, mostra o pior do ser humano. O indefensável. Mas ele também é teu filho! E você o traz de volta, o humaniza, mostra suas razões, seu passado. Mesmo assim ele te trai e te abandona. Agora você conviva com isso. Não pode controlá-lo, tal qual O médico e o monstro, Dr. Jekyll e Mr. Hyde.
Dói. Criar é um processo dolorosamente prazeroso. Como uma mãe que tem em seu filho a maior felicidade de todas, mas sofre a cada dia pelo medo de que ele sofra. E você ainda tem que resumir isso em uma ou poucas pequenas palavras, o título.
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segunda-feira, 19 de novembro de 2012
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Depressão: é preciso falar e diminuir o preconceito
O orgulho e teimosia para se resolver sozinho ou esconder o problema ainda é a maior trincheira contra a cura ou evolução. A grande lição de qualquer tipo de tratamento é assimilar o processo de contradição ou a própria dialética de nosso padrão emocional.
(Terapia Cognitiva da Depressão, Aaron Beck, 1997)
Campanha contra o suicídio
(Terapia Cognitiva da Depressão, Aaron Beck, 1997)
Campanha contra o suicídio
terça-feira, 20 de março de 2012
Presentes para o #Diadoblogueiro
Vocês escolhem o presente que querem ganhar. Descobri Gregory Alan Isakov e coloquei abaixo duas das minhas favoritas. Feliz #Diadoblogueiro!
If I Go, I'm Going
One of Us Cannot Be Wrong
If I Go, I'm Going
One of Us Cannot Be Wrong
Em homenagem ao #Diadoblogueiro
"Todos falamos a mesma língua quando somos simplesmente humanos" (J.F.)
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Inesquecível
Esta é uma das cenas mais tocantes que já vi. Assisti o filme uma vez pela televisão há muito tempo e nunca me esqueci dessa cena, embora esquecesse o nome do filme. Ontem, por acaso, encontrei a cena no YouTube e compartilho com vocês. Trecho do filme "Amada Imortal" ("Immortal Beloved" 1994) que trata da vida do compositor Ludwig Van Beethoven (interpretado por Gary Oldman). A música que ele toca é Moonlight Piano Sonata no. 14, op. 27/2, parte I: Adagio sostenuto. Inesquecível.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
Mapas do mundo
Neste link você vai encontrar 35 mapas do mundo feitos para compreender algumas coisas muito interessantes como a presença do McDonald’s no mundo, mapa de terremotos, de consumo de álcool e as zonas de mar mais atacadas por piratas.
Vale a pena conferir!
Vale a pena conferir!
terça-feira, 21 de fevereiro de 2012
Artistas invadem Cerro Santa Lucia para tirar foto
Num movimento cênico perfeito, artistas do Grupo Pesquisa Teatro Novo, da Universidade Federal de Santa Catarina, invadiram o cerro Santa Lucia, tradicional ponto turístico de Santiago, capital do Chile. O grupo queria apenas se divertir como turistas e tirar fotos engraçadas. Uma dela (abaixo), ficou conhecida na mídia social, Facebook, por ter sido etiquetada com o nome de todos os membros do grupo.
Bem como dizia o maestro Aldo da Orquestra de Concertos de Erechim: "São uns artistas mesmo!"
Bem como dizia o maestro Aldo da Orquestra de Concertos de Erechim: "São uns artistas mesmo!"
domingo, 5 de fevereiro de 2012
Colores
Branco depressão; Preto normalidade; Azul tranquilidade; Laranja coragem; Vermelho espaço; Roxo paixão. De cor em cor a vida muda e segue. Nunca no mesmo tom de outrora. Buscando o ritmo da aurora.
sábado, 4 de fevereiro de 2012
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Férias
Estou de semi-férias. Fui viajar e volto um dia. Tchau e bença!
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".
Mar sem fim - Amyr Klink
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver".
Mar sem fim - Amyr Klink
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
As luas de Galileu Galilei no Chile
Bem, volto à terrinha que fez nascer este blog, só que agora como atriz e cantora na peça As Luas de Galileu Galilei. Olha só:
O grupo Pesquisa Teatro Novo estará em janeiro em Santiago, no Chile, onde se apresenta com a peça AS LUAS DE GALILEU GALILEI ( www.asluasdegalileugalilei.blogspot.com), uma superprodução teatral que fez muito sucesso nas três temporadas no Brasil na 26º ENTEPOLA.
O espetáculo será apresentado numa mescla entre o Português e o Espanhol, para que as platéias do Chile possam acompanhar a sina do pai da ciência moderna Galileu Galilei.
A peça é uma instigante encenação montada com três linguagens distintas:
- A popular que narra a vida amorosa e pessoal de Galileu Galilei através de uma Companhia de teatro da Comédia Dell Arte Bambolina Andatina;
- A linguagem erudita, com a participação do grupo vocal Madrigal da UFSC sob a regência da Maestrina Miriam Moritz;
- E a linguagem histórica, na qual prevalecem os fatos que envolvem a vida pública do cientista Galileu, seu relacionamento com outros cientistas, com os nobres que financiavam seus estudos e com a Igreja Católica, com a qual um embate filosófico-religioso resultou numa falsa abjuração de sua obra para que pudesse escapar das fogueiras da Inquisição.
É de Galileu a famosa frase "E pur si muove" (E no entanto ela se move), se referindo à sua teoria Heliocêntrica, de que a Terra girava em seu prórpio eixo e também ao redor do sol, ao contrário do que pensavam os cientistas de seu tempo.
A peça acontece em cenários diversos, em meio ao público e em mais 4 espaços cênicos.
A direção do espetáculo e o texto final são de Carmen Fossari, a obra diante do preceitos Pós Dramático tem em seu roteiro 3 cenas da obra de Brecht em livre adaptação,as cartas da filha de Galileo Galilei, trecho de A Peste de Camu e trechos dos escritos de Galileu e diálogos criados pela diretora do espetáculo.
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Música para nascer
Fiquei sabendo que neste site http://www.joshhosler.biz/ você pode saber que música era hit em alguma data especial como da do seu nascimento. Mesmo sendo só a parada de hits dos EUA, achei interessante e acabei descobrindo que a música das paradas no dia que eu nasci era Up Where We Belong , fui atrás dela e gostei. Olha só que bonita: (em azul a tradução)
Up Where We Belong
Para o alto onde nós pertencemos
Who knows what tomorrow brings
Quem sabe o que o amanhã traz?
In a world, few hearts survive
Num mundo, poucos corações sobrevivem.
All I know is the way I feel
Tudo que sei é o modo que me sinto,
When it's real, I keep it alive
Quando é verdadeiro, eu mantenho vivo.
The road is long,
A estrada é longa,
there are mountains in our way
Existem montanhas em nosso caminho,
But we climb a step every day
Mas nós escalamos um passo a cada dia...
Love lift us up where we belong
Amor, levante-nos para o alto onde nós pertencemos,
Where the eagles cry on a mountain high
Onde as águias gritam no topo de uma montanha.
Love lift us up where we belong
Amor, levante-nos para o alto onde nós pertencemos,
Far from the world we know,
Longe do mundo que conhecemos,
up where the clear winds blow
No alto onde os ventos límpidos sopram.
Some hang on to "used to be"
Alguns insistem no "costumava ser",
Live their lives, looking behind
Vivem suas vidas olhando para trás.
All we have is here and now
Tudo que temos está aqui e agora,
All our life, out there to find
Toda nossa vida, lá fora para descobrir...
The road is long,
A estrada é longa,
there are mountains in our way,
Existem montanhas em nosso caminho,
But we climb them a step every day
Mas nós escalamos um passo a cada dia...
Time goes by
O tempo passa,
No time to cry
Não há tempo para chorar.
Life's you and I
A vida é você e eu,
Alive, today
Vivos... hoje...
Para o alto onde nós pertencemos
Who knows what tomorrow brings
Quem sabe o que o amanhã traz?
In a world, few hearts survive
Num mundo, poucos corações sobrevivem.
All I know is the way I feel
Tudo que sei é o modo que me sinto,
When it's real, I keep it alive
Quando é verdadeiro, eu mantenho vivo.
The road is long,
A estrada é longa,
there are mountains in our way
Existem montanhas em nosso caminho,
But we climb a step every day
Mas nós escalamos um passo a cada dia...
Love lift us up where we belong
Amor, levante-nos para o alto onde nós pertencemos,
Where the eagles cry on a mountain high
Onde as águias gritam no topo de uma montanha.
Love lift us up where we belong
Amor, levante-nos para o alto onde nós pertencemos,
Far from the world we know,
Longe do mundo que conhecemos,
up where the clear winds blow
No alto onde os ventos límpidos sopram.
Some hang on to "used to be"
Alguns insistem no "costumava ser",
Live their lives, looking behind
Vivem suas vidas olhando para trás.
All we have is here and now
Tudo que temos está aqui e agora,
All our life, out there to find
Toda nossa vida, lá fora para descobrir...
The road is long,
A estrada é longa,
there are mountains in our way,
Existem montanhas em nosso caminho,
But we climb them a step every day
Mas nós escalamos um passo a cada dia...
Time goes by
O tempo passa,
No time to cry
Não há tempo para chorar.
Life's you and I
A vida é você e eu,
Alive, today
Vivos... hoje...
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Minipoemas #2
No facebook todos sorriem.
No twitter, a @RealMorte sorri.
A vendedora da loja sempre sorri.
A boneca da loja sempre sorri.
O palhaço do circo sempre sorri.
O Coringa do Batman sempre sorri.
A embalagem do pão sempre sorri.
A gelatina sempre sorri.
As costas da lagarta sorriem!
Tudo sorri, tudo sorri!
Só o coveiro não sorri.
No twitter, a @RealMorte sorri.
A vendedora da loja sempre sorri.
A boneca da loja sempre sorri.
O palhaço do circo sempre sorri.
O Coringa do Batman sempre sorri.
A embalagem do pão sempre sorri.
A gelatina sempre sorri.
As costas da lagarta sorriem!
Tudo sorri, tudo sorri!
Só o coveiro não sorri.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Minipoemas
Quebrei a paciência e atirei os cacos pelo ar.
Entrei pela saída e não vi minha janela.
"Tolinha", pensei, "a janela é de mentira".
"Mentira!", acusou o ser plasmático a meu lado, "A janela só faz parte de um microcosmos ilusório criado para satisfazer a tua necessidade existencial de defenestrar o que te incomoda na tua vida!"
Entrei pela saída e não vi minha janela.
"Tolinha", pensei, "a janela é de mentira".
"Mentira!", acusou o ser plasmático a meu lado, "A janela só faz parte de um microcosmos ilusório criado para satisfazer a tua necessidade existencial de defenestrar o que te incomoda na tua vida!"
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Tabacaria
Um grande poema de Fernando Pessoa/ Álvaro de Campos. Compartilho:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho genios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei que moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
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