segunda-feira, 18 de março de 2013

Sobre títulos

Não há como não sentir uma agonia ao ir à livraria e ver tantos livros nas estantes sabendo que a decisão de ler ou não cada um deles é resumida a algumas impressões. Dentre elas uma me agonia, particularmente: o título.

Título, essa palavra com T que deve, pretensiosamente, ser o resumo do livro, dar o sentido pleno do conteúdo e ser o mote do marketing, deve ser vendável.

Todos aqueles livros tentando se vender pelo título. E o que os títulos me dizem? Marcantes, abrangentes, resumem dramaticamente o conteúdo. Alguns tentam fabricar um pretenso best-seller, mais um autor norte-americano da indústria de livros seriados, dez volumes em cinco anos.

Vejo esses nomes mais destacados que o título com receio. Li rapidamente algumas parte de Crônicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin, que estão se tornando o enredo do aclamado seriado Game of Thrones, da HBO. A série é ótima, mas os trechos que li dos livros não se venderam para mim. O título? Bem, em meio a uma avalanche de livros que falam de fantasia, magia, bruxas, magos, zumbis e vampiros, seria mais um. Mas está na HBO e esses autores norte-americanos de best-sellers são os grandes destaques nas livrarias, com mais de 80% das estantes.

Há pouco terminei de ler A Grande Travessia. Um título abstrato, uma história autobiográfica. Um livro que não comprei pela promessa do título, muito vaga, mas pelo prêmio Nobel de literatura, ganho em 1938 pela autora, Pearl Buck. O que me levou a comprar esse livro? Eu queria entender como um Nobel de Literatura escreve.

Quem poderia dizer? A obra dela não daria uma série de zumbis, de nobres disputando o reino, nem de vampiros, mas rendeu alguns filmes. Senti algo de shakespeariano no livro autobiográfico, pela humanidade descrita em cada pessoa, pela visão humana, pela observação atenta dos tipos humanos e suas relações. Já li outros livros de autores Nobel e observei a mesma coisa.

Mas é evidente que não desvendei, ou escreveria um livro de autoajuda com um título pretensioso: Como ganhar um Nobel de Literatura. Mas é fascinante ler os livros observando os truques dos autores, sua estrutura de organização, de pensamento, suas ideias, sua formação cultural, tudo aparece nos personagens, no enredo. São todos filhos do autor, com pequenas partes dele.

Quando você está escrevendo percebe que nenhuma sequência de palavras que você tenha escrito se repete nem no seu próprio texto. E eu fico olhando aqueles livros todos na prateleira da livraria tentando te impressionar pelo título, concorrendo com autores de best-sellers da indústria de zumbis e vampiros e me perco imaginando quantas sequências de palavras eles formam. Palavras que saíram de uma pessoa, o autor. Elas parecem saltar para mim.

Não é mais o título que importa, é o autor, a vida dele, uma parte dele está ali a venda em forma de papel. Você pode ver seu íntimo, pois ele sempre se deixa vazar nos diálogos dos personagens. Sei que existe um momento que você deve libertar seu filho para a maioridade e com os personagens não é diferente. Chega um momento em que você deve aceitar que ele não te pertence mais. Criou vida própria.

Tal qual um Poltergeist. Ele te assombra, fala contigo. Faz piada das suas situações. O vilão te tira do sério, quer te testar. Duvida das suas convicções, mostra o pior do ser humano. O indefensável. Mas ele também é teu filho! E você o traz de volta, o humaniza, mostra suas razões, seu passado. Mesmo assim ele te trai e te abandona. Agora você conviva com isso. Não pode controlá-lo, tal qual O médico e o monstro, Dr. Jekyll e Mr. Hyde.

Dói. Criar é um processo dolorosamente prazeroso. Como uma mãe que tem em seu filho a maior felicidade de todas, mas sofre a cada dia pelo medo de que ele sofra. E você ainda tem que resumir isso em uma ou poucas pequenas palavras, o título.