quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quão plural deve ser o jornalismo?

Com a internet e as mídias sociais popularizadas toda e qualquer pessoa tem voz e essa voz pode ter a sorte ou o azar de ser amplificada para todo o mundo. O caso da torcedora gremista achincalhada por ter sido flagrada pelas câmeras gritando "macaco" para um jogador do time rival une-se a outros tantos que mostram que o mundo não está preparado para a pluralidade de vozes.

Um dos pilares do jornalismo de qualidade, a pluralidade de vozes determina que uma matéria jornalística deve abordar os diferentes lados de uma mesma questão buscando a isenção e a imparcialidade possível, deixando que as opiniões sejam emitidas pelas fontes, não pela matéria.

Mas que vozes são essas? Devem ser vozes representativas, de fontes confiáveis que tem algo relevante a dizer.

Se partimos do critério de que o jornalista tem suas limitações e usa seus recursos para escolher suas fontes, admitimos que não é qualquer voz que entra na matéria e, portanto, não é exatamente plural essa escolha.

Se partimos do critério de que "a voz do povo é a voz de Deus", as mídias sociais ressaltam vozes pela multiplicidade de "curtidas" que representa sua popularidade. Mas a voz do povo é a voz de Deus? Bem, foi o povo quem decidiu libertar o ladrão e crucificar Jesus, daí vocês tiram seu ponto de vista.

As mídias sociais não ressaltam vozes representativas. O povo não escolhe seus representantes baseados em critérios sérios e sábios. Escolhe por afinidade, amor e ódio, baseados no senso simples de "gosto", "não gosto", exatamente como nas mídias sociais. Pior. Escolhem aquele que mais aparece, o mais popular, porque acreditam que a massa sabe quem é o melhor. Mas cada indivíduo da massa escolhe dessa forma. E é por isso que continua sendo massa de manobra.

A massa segue impulsos coletivos ou o calor do momento, como afirmou a torcedora gremista e um dos assassinos da dona de casa de Santos morta após ser linchada por moradores que 'achavam' que ela era uma criminosa. Também seguem o calor do momento as pessoas que estão achincalhando a torcedora gremista porque foi a imagem dela que ficou repetindo e repetindo na TV e pelas mídias sociais. As outras dezenas de torcedores que gritaram macaco, negros inclusive, não são nem citados.

Podemos confiar no impulso coletivo, no calor do momento? Não é necessário citar alguém, ou seriam milhares de sábios para justificar a resposta: Não. Devemos trazer as emoções guardadas pela razão, essa é a postura sábia. Mas esse é um comportamento que não combina com as massas. Massas combinam com o calor do momento, a emoção a flor da pele, aquele momento em que o indivíduo se torna coletivo para justificar atitudes que não faria como indivíduo, ruins ou boas.

E é por isso que a pluralidade de fontes, a total liberdade que a internet e as mídias sociais proporcionam, é falsa e perigosa. Permite que ignorantes ganhem voz e provoquem impulsos coletivos rasteiros, de raiva, de preconceito, de linchamento moral, que por vezes se torna físico.

O jornalismo tem compromisso com a verdade e a responsabilidade social, com a vigilância do poder e com a  garantia de que as vozes serão tão plurais quanto possível. Mas que essas vozes serão relevantes e não apenas agitadores de momento. O poder de julgar que vozes são essas vem do treinamento,da prática, do conhecimento e da ética. Não do calor do momento.