sexta-feira, 24 de julho de 2009

O sol naciente de San Pedro e a pedra feliz

Último dia en San Pedro, sonhei com minha família, meus amigos e com minha cachorra Nininha, que como vocês sabem morreu enquanto eu estava em Santiago. Acordei às 6h20 da manhã com a sensação de que ainda afagava seu pêlo macio. Decidi que no último dia en San Pedro ía ver o sol nascer. Não foi preciso ir longe. A alguns metros do hostal encontrei um muro muito eficiente na tarefa de me apoiar na função de tirar fotos do nascer do sol.

Um frio de 5 graus negativos e a mão que opera a câmera estava em processo de congelamento. Mas a visão do sol surgindo ao lado do vulcão Licancabur, o cone mais perfeito do Chile, aquecia. Naquele cenário incrível, ouvi o silêncio do Atacama, esse lugar misterioso e magnífico, onde a natureza mostra uma variedade impressionante de frio e calor, areia e gelo, extremos que não vemos por aí, na esquina de casa.

O sol se levantou e o Licancabur - adorado como um deus pelos pueblos atacameños que lhe rendiam sacrifícios nos tempo mais antigos - mostrou seu explendor iluminado. Enquanto procurava uma fenda para subir no muro onde me apoiei para tirar fotos, encontrei um sorriso. Era um pedaço de barro seco, provavelmente resto do muro de adobe que eu subia e com a luz do sol batendo de lado, parecia sorrir para mim. Uma pedra feliz!

Na volta para o hostal percebi porque seu nome era Casa del Sol Naciente. Era a primeira casa do povoado a receber a luz do sol da manhã. Senti uma afeição muito grande pelo hostal, que mais parecia um acampamento, devido à quantidade de areia que se podia encontrar sobre as camas.

E senti que queria viver aquilo tudo, o frio intenso, as tempestades de areia, os pés atolados na lama salgada do salar, as mãos feridas de tanto frio, tinha uma vontade louca de viver, de conhecer, de sentir aquele deserto, aquele mistério. Mais um para compreender nessa imensidão de mistérios que é o universo.

Ao entardecer fui ao pueblo e depois de fazer tudo o que precisava, entrei na igrejinha branca que todos conhecem como cartão-postal de San Pedro. Resolvi fazer uma oração e agradecer tudo o que tinha vivido e pedir proteção para a segunda parte da viagem, onde estaria sozinha. E foi ali no silêncio da igrejinha e sob o teto feito de cardones, os cactus gigantes do Atacama, que comecei a ouvir uma música se aproximando.

Reconheci pelo som a banda que estava tocando desde o amanhecer perto do hostal. E pelo barulho estava se aproximando da igreja. Saí quando o barulho parecia estar à porta da igreja. Estava. Eram os seguidores de Santiago, comemorando o dia do santo com música, cantos e danças típicas, o estandarte à frente e as roupas coloridas e brilhantes. Logo em seguida vinham os ciganos, no mesmo ritmo, mesma animação.

No mesmo instante me senti transportada a minha infância em Minas Gerais, nas folias de reis que assistia admirada em Ibiá, cidadezinha onde vivi por três anos. Desde o estandarte até o ritmo da banda, as dancinhas dos foliões, os trajes coloridos, os grupos entrando um a um na igreja para prestar suas homenagens ruidosas ao santo do dia. A cultura pagã dos povos campesinos se reunindo sob teto cristão.

Resolvi ficar mais um pouco e assistir a missa. Os cantos litúrgicos são iguais os do Brasil, só que em castellano. Ainda lembro deles, mesmo tendo deixado o cristianismo há mais de dez anos. Música é uma coisa que nunca esqueço. Confraternizei com meus vizinhos de assento, desejei-lhes a paz, trocamos cumprimentos. Me senti plena e com a sensação de que minha passagem por San Pedro não podia ter tido melhor encerramento.

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